JAIME PRADES
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Artista plástico e escritor


A MEMÓRIA DA TERRA

Um punhado de terra, escura, com restos vegetais: pequenos galhos de árvores, fragmentos de raízes, gravetos mínimos de ipê, fibras de palmeira, resíduos de plantas, que o passar do tempo converteu em esquecimento da natureza, fiapos da memória da terra.

Húmus fértil para qualquer terreno.

Para esta terra maltratada.

Um círculo de terra, agora uma terra com outros resíduos: orgânicos, sólidos, não perecíveis, plásticos... Restos amontoados da periferia da ordem da humanidade.

De um conceito errático de progresso.
E, no meio desse círculo, uma árvore.

Uma árvore?

A memória está repleta de esquecimentos.

Será essa árvore, se por acaso o for, um esquecimento da terra que a viu nascer?

Mas não, não é uma árvore.

É uma ideia de árvore, um conceito de árvore.

Ceci n’est pas une pipe¹ dizia Magritte.

Entretanto isto é e não é uma árvore.
O esquecimento está repleto de memória.

Terá, portanto, esta árvore lembranças da terra?

Karel Kosik² dizia, cito de memória, “A engenharia é uma ordem que se integra à natureza, enquanto a arquitetura opõe-se a ela.”

Estas árvores obedecem a uma forma de engenharia, participam, em alguma medida, necessariamente desta disciplina, mas também se guiam por uma intenção arquitetônica, que convive com aquela.

Pois bem, as obras de Prades conservam a memória dos materiais dos quais estão constituídas, da experiência que habita nas suas madeiras, das reminiscências das pessoas que as acompanharam, das lembranças do que foram em outro tempo.

Mas também contem as intenções do seu autor, seus propósitos e, sobretudo, o que o seu criador colocou sem intenção, apesar dele mesmo.
Por isso são e não são árvores.

Assemelham-se a elas em sua morfologia. Na sua aparência. Porém, o olhar atento do visitante sabe que contém algo a mais.

Bate nelas uma vida múltipla, uma batida que escapa ao explicável.
A pós-modernidade nos acostumou a experiências estéticas, carentes de ética.

Como se o belo, o bom e o verdadeiro tivessem decidido em algum momento da história caminhar em separado.

O visitante reflete e duvida.

Estas construções têm vocação para a beleza e respondem à verdadeira necessidade interior de um homem.

De um criador que acumula, como se de um mascate se tratasse: tarefas, achados, madeiras desgastadas pela passagem do tempo, sonhos inalcançáveis, mínimas intuições, enxofre, parafusos, sensações inefáveis...

Por acaso conterão estas obras alguma bondade?

O viajante abandona o estúdio do artista, em silêncio. Qualquer palavra nesse instante soaria banal.

Distancia-se pela rua ainda molhada pela recente chuva, a luz do entardecer reflete-se sobre as intermitentes poças das calçadas. As copas das árvores desenham à contraluz, uma silhueta opaca contra o telão de fundo de um céu levemente iluminado pelo iminente anoitecer.

O visitante adentra novamente na prosa da realidade, no cinzento do cotidiano, mas ainda o silêncio daquelas obras perdura em sua memória.

Antonio Ventura - junho de 2013, São Paulo.

Notas do tradutor
¹Isto não é um cachimbo.
²Karel Kosik (26 de Junho de 1926 – 11 de Fevereiro de 2003) foi um militante e filósofo marxista de origem tcheca. Uma das suas principais e notáveis obras é o livro Dialética do Concreto, publicado em 1963. (Wikipedia).

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