JAIME PRADES |
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FÁBIO MAGALHÃES 2021 ANA AVELAR 2016 FABIO MAGALHÃES 2016 JAIME PRADES 2014 B JAIME PRADES 2014 A SAULO DI TARSO 2014 PAULA ALZUGARAY 2013 ANTONIO VENTURA 2013 PAULO KLEIN 2013 TEREZA DE ARRUDA 2012 CLAUDIO ROCHA 2012 PAULO KLEIN 2012 SERGIO LUCENA 2012 JAIME PRADES 2010 WAGNER BARJA 1998 MARIA IZABEL B. RIBEIRO 1997 JOSÉ ROBERTO AGUILAR 1996 REJANE CINTRÃO 1996 FABIO MALAVÓGLIA 1995 WAGNER BARJA 1994 MARIE ODILE BRIOT 1990 ANA MAE BARBOSA 1989 LEONOR AMARANTE 1987 MARIA CECÍLIA F. LOURENÇO 87 |
SAULO DI TARSO 2014
Artista visual e curador
Texto para a exposição "Pacificadores" RESPOSTA AO ESCORIAL: OS PACIFICADORES DE JAIME PRADES “Ao homem que vive a tríade entre Velho e Novo Mundo e sociedades tradicionais só lhe resta um verbo que é pacificar pois os conflitos de coexistência entre culturas deste nível já são por demais uma guerra”. Do autor "Cada ser gerado é deficiente (diminutum), e cada ser deficiente se move em direção a um princípio, que é um complemento, e um fim". Averróis Quando em 1656, D. Diego Rodrigues da Silva e Velásquez adentrou a Corte de Felipe IV, depois de um largo trajeto de aprendizado e uma intensa ação política do seu mestre de ofício, Francisco Pacheco, para introduzi-lo na nobreza espanhola, ninguém poderia imaginar que, além de pintor, Velásquez e a então majestade herdada de Felipe II, seriam os primeiros inventores de uma coleção de arte intencional que bem pode ser considerada a precursora invenção de um museu moderno no Monasterio de San Lorenzo El Escorial. E é tão forte a magia desta coleção que durante séculos se tenta resgata-la após uma sucessão de evasão das obras do Escorial. Assim, através de um Rei e um artista, habilíssimos, funda-se o modus operandi do método colecionista e curatorial que defende a ciência da pintura, que vem até os dias de hoje, incluindo todas as implicações cortesãs da época que, de lá para cá, na dileta trama social contemporânea envolve a experiência criativa dos artistas em diversas ações do jogo de poder que é imutável em qualquer tempo e em qualquer parte onde antes e hoje o colecionismo e o mercado de arte operam. Evidentemente sem reis e rainhas e lotada de questões do mecenato e do mercado de capitais, além das regras globais da cadeia produtiva em artes que impõe a figura do curador e não mais do artista como guia e formador das coleções de arte. Porém o cansaço desta forma de institucionalizar a arte é visível, por exemplo, na museografia do Museu do Prado, na Espanha, ou nas grandes mostras internacionais que sofregamente sobrevivem aos lobbies das feiras que vão mudando cada vez com mais vigor a nacionalidade de origem do patrimônio de arte de cada país. No mundo de hoje existe um fluxo de contrabando e outro legalizado de obras, que se tornaram ambos deliberados e bem diferentes dos preceitos da construção do El Escorial, quando o intuito central era ler pintura como ciência e atestado de capacidade cultural e não ordenar fortunas através de uma regulação crescente do mercado de arte para operar a economia do capital cultural, como vemos. Jaime Prades, nascido em Madrid, em 1958, atesta a situação inversa de como este e outros países agem em termos de mercado não só em arte, mas também dentro de uma lógica que faculta a cultura ao sujeito e, ao mesmo tempo, lhe priva dos mesmos direitos pela via da autenticação do corpo. Exprime bem o que está por trás do comportamento de um artista como Jaime Prades, no que diz respeito a uma desagregação primária que gera a migração permanente do sujeito que não para de migrar, tornando a migração uma forma de existência desde o nascimento e não apenas quando chega noutro pais, saído de seu “país de origem”. Ou seja, esse migrante que já não pertence na origem a lugar algum, carregará, consigo, as primeiras imagens do mundo em que nasceu assim como os afetos e aprendizados da atmosfera espanhola especialmente da cultura árabe-espanhola situada em torno do Alhambra. Se para a geração dos Titãs "ser de lugar nenhum" é mérito consciente, para Jaime é no mínimo uma experiência corpórea, que jamais caberia num simples recinto clássico, num cubo branco ou como pregação numa letra de Rock. Na obra de Jaime Prades o desenho sempre esteve presente, assim como a percepção de um ambiente artístico não aprisionável numa só linguagem. Neste sentido parece que a influência de Antonio Mingote, famoso humorista gráfico espanhol, já na infância de Jaime o fisga para um universo, legando um caráter simbólico, ligado à vivência da linha no espaço e não em suportes tradicionais. Também o trabalho de seu pai na indústria do Cinema e a própria circulação do humor de Mingote em grandes jornais já expandem as possibilidades perceptivas de Jaime Prades ao universo não convencional de aprendizagem do que se divide em linguagens tradicionais. Ou seja, linguagem e comunicação já se fundem numa única via de percepção em sua formação. Mais tarde a convivência com a produção e a percepção real e midiática da obra de Pablo Picasso e já no Brasil, saindo do seu primeiro habitat, no Vale do Paraíba, indo para São Paulo, Jaime experimenta um “estado febril” cujas alucinações decompõem a Guernica em sua imaginação, levando-o a perceber não a potência da Guernica em si e sim a África como resultado de uma percepção ampliada pelo incidente emocional da sua segunda migração, agora, novamente o atingindo durante uma situação migratória. Sinergia e desagregação o tomam assim como a sua percepção uma consequência, mais uma vez, de efeitos sobre a pessoa que é desagregada do grupo social, deixando de lado o contraponto estabelecido entre Espanha e Brasil na chegada, adentrando em São Paulo, onde passa pela Escola Contemporânea de Arte e pelas aulas de modelo vivo, ministradas por Gregório Gruber na Pinacoteca do Estado, estabelecendo, assim, uma linha definitiva para seu percurso como artista. Ainda, do contato com Álvaro Apocalypse no Festival de Inverno de Ouro Preto de 1973, algo mais parece ter ficado na obra de Jaime Prades como a transfiguração humana e o universo fantástico de imagens e bonecos que novamente adensam aquilo que Mingote já lhe havia aberto como campo de expressão e que já semeiam o que ele transcreve depois para os seus múltiplos. Além da xilogravura o legado ético da gravura aprendido com José Guyer Salles em 1975 na Oficina de Gravuras 76 em São Paulo, também lhe serve como orientação dessa produção. Após um período ao mesmo tempo de aprendizado e negação evidente do mesmo conteúdo aprendido, Jaime emerge na cena paulista através do grupo TUPINÃODÁ. O grupo formado inicialmente também por Milton Sogabe, Zé Carratü, Eduardo Duar e César Teixeira expande a experiência de Jaime para a ocupação urbana individualmente e aqui cabe a ponderação de que a arte vai pra rua para ir pra rua, novamente, sem o estigma do graffiti embora eles sejam considerados um dos grupos pioneiros do Graffiti em São Paulo. Desde aí as máquinas de Jaime Prades são um exemplo de inadaptabilidade da expressão ao claustro das instituições. A expressão da rua e uma análise minuciosa dos seus painéis menos binários e voltados ao humor revelam uma pintura que se agrega à densidade estética e residual da arquitetura dos muros da cidade. Essa pintura que se sobrepõe como uma pele não é a moldura que o graffiti escolhe para exaltar a sua estrutura e sim, uma apropriação escultórico-pictórica que Jaime insere na sua pintura ao mesmo tempo em que insere a sua pintura sobre a cidade. Curiosamente, as linhas encontradas no concreto migram para a sua pintura de artesania tradicional. A diferença, no entanto, é que aí não está uma observação, uma contemplação do urbano como se vê nas paisagens urbanas de Gregório Gruber, também um precursor neste gênero. Pelo contrário há uma expressão que reflete a interação direta com o espaço da cidade e as variações do seu corpo arquitetônico expandindo a intermediação do sentido entre razão e expressão para o contato direto do corpo e a escala urbana que recebe a nova pintura e consolida a capa da arquitetura como um novo suporte. Havendo projetos arquitetônicos importantes ou não responsáveis pela geração destas superfícies, Jaime trova situações, desde a década de 80 até as mais recentes quando incide suas alegorias pacificadoras sobre uma caçamba, por exemplo. Como não poderia faltar a ele, aliás, a leitura da fragmentação e reordenação dos cacos urbanos, pressupondo em todas as fases do seu trabalho o que se chama hoje de resiliência. Jaime pinta sobre destroços, clama, parece, por reconstituir o corpo das cidades que ele deixou para trás em cada uma das situações que sinaliza desde a pintura das máquinas até a volumetria das árvores presentes na série “Natureza humana”, em 2008. Parece que Jaime Prades é um migrante permanente das cidades e das linguagens visuais, um sujeito que dança entre os fenômenos da visualidade, construindo obras que cabem ao mesmo tempo numa coleção tradicional de obras de arte e às vezes objetos com a mais pura neutralidade interativa, desprovidos totalmente das marcas gestuais que o fizeram compor máquinas vorazes nas ruas, fazendo figuras em aço que beiram a abnegação absoluta do estado de arte. É certamente esse o aspecto de mais difícil assimilação que identificamos nas metamorfoses da produção de Jaime Prades e que o coloca, por vezes, numa órbita de fragilidade estética quando comparamos a materialidade presente em cada uma das suas séries. Porém, se observarmos melhor, é justamente essa coragem de multiplicar suas figuras e metamorfosear suportes, como um designer da própria arte que o insere numa reflexão muito significativa sobre um tipo de fazer e que coloca sua arte na fronteira da não-arte em termos de invenção. Esta ação de fragilizar a arte em termos estéticos é realmente primordial no sentido de que expõe a arte ao seu limite material como faz grande parte dos artistas conceituais. Sua arte, embora às vezes leve, diluída, brutal e insinuante não passa por um tipo de banalização da própria capacidade com chistes como a subversão de uma pintura da "Monalisa", por exemplo, com clichês de alterações vanguardóides praticadas por muitos artistas latino-americanos. Diferente disso sua ação exprime a “crise permanente” entre máquina e situações humanoides, que desgastam profundamente o totem de conservação da arte dentro das instituições e explicitam como inadequadas às versões museais da arte que importamos do mundo para o mundo Ibérico. Os migrantes como Jaime Prades, só que vindos para o Brasil no tempo do descobrimento, são socialmente parecidos com esta ação de impermanência que norteia o imaginário brasileiro fazendo haver brasileiros que, como ele, não tem medo da liberdade e nem a necessidade de estar inserido num caminho socialmente previsível comprometido com uma tradição prévia de modelo de civilização. Outra chave para compreensão da atual série de Jaime Prades é que, apesar de nossa sociedade violenta edificamos um discurso pacifista que apesar de demagógico não é infundado na origem social brasileira. Sempre expulsos do seu lugar, é natural que os emigrantes busquem a paz aonde cheguem após uma expulsão com o intento de permanecer, como é o caso dos sefarditas que foram os primeiros habitantes diásporos do Brasil do pós descobrimento. E os “Pacificadores” se opõe a esta lógica. Afinal, somos expulsos do Velho Mundo e reproduzimos a metonímia da expulsão com o sinônimo da migração que, estranhamente, constitui, de alguma forma, a primordialidade das nossas origens incertas e renegadas. Ou seja, mesmo não tendo mais que migrar, guardamos o sentido da migração e o desejo de pacificar o lugar onde estamos na nossa origem ascendente. Assim, a pintura de Prades migra para a rua e o pacificador migra para os muros. Há uma permanência tão impermanente na linguagem e na postura de Jaime Prades que apenas ele, aliás, perdura no caminho desse binômio desde a experiência do grupo TUPINÃODÁ. A partir de 1984, quando vai pintar na rua, efetivamente, o sentido atávico e estático da sua pintura inverte totalmente a lógica do espaço paralisado da pintura: ao invés de observarmos parados o que a pintura congela em sua metafísica, passamos a ver em movimento e de passagem a pintura que expressa movimento pela definição das máquinas, assim como vemos na expressão dos seus grafismos que começam a ficar cada vez mais planos, revelando o espaço-entre que percorre a linha com a finalidade de revelar a tensão entre os vazios da superfície ocupada. A arte de Jaime Prades não é, portanto, arte de rua nem tampouco a pintura tradicional. É sim uma arte de limiar que beira a fragilidade estética justamente para não compor mais o escopo clássico da modernidade ou a informalidade das opções conceituais de artistas da sua geração, como a grande e gregária história que se construiu em nosso passado. E muito embora a street art seja uma terminologia insuficiente para qualificar o seu trabalho ele pode ser considerado um pioneiro de diversas manifestações atreladas a esse termo, que vão desde a toy art até o graffiti que se pode ver na expressão jovem de Ciro Schunemann e seu universo calcado em biomecanóides, por exemplo. Se Ciro passa por Giger, Jaime passa diretamente de uma notação quase clássica da pintura para as ruas. E volta por horas que, na convenção do trabalho de ateliê, está em paralelos possíveis com a obra de Torres-Garcia. Este, aliás, distinto pintor e pensador estético uruguaio que desconhecemos na totalidade do que escreveu e do que desenhou como na sua magistral ideia desenhada de “La Ciudad sin Nombre”. É nesta cidade sem nome que, a meu ver, as obras de Jaime Prades e seus contemporâneos que buscaram as ruas se situam. Não seria demais aceder que a complementaridade ruidosa da obra “floresta urbana”, de 1988 e as árvores da sua série “natureza humana”, poderia extinguir os preconceitos contra a aparente fragilidade estética de muitas das obras das séries “Dos absurdos”, “Tipos”, “Os Bastardos”, e até mesmo nos “Pacificadores” como vamos ver neste conjunto de novos trabalhos. A obra de Jaime ganha então um questão de ação e atitude que parece propositalmente anular o estúdio e acentuar a plástica na rua, levando a arte de dentro para o lado de fora de maneira extremamente pontual e radical. Seus múltiplos de aço são múltiplos. Já os “pacificadores” quando erigidos em aço oxidado e mármore ganham outra conotação. Há outro subliminar da pintura moderna que pode ser sentido em sua escultura que algumas vezes espelha Miró. E naturalmente seria absurdo inserir Jaime Prades neste contexto tradicional da arte, mas não é absurdo dizer que ele migrou a simbologia da simbologia da arte moderna para a sua produção. Suas colunas possuem paralelo também com a pureza colorística e geométrica de Rubem Valentim. Duas outras leituras poderiam ser abertas aqui: a espiritual e a genética. Voltando à visão de Jaime Prades que desconstruiu a Guernica, como ele mesmo comenta: “num certo momento eu percebi que o que o que estava falando no meu inconsciente não era a Guernica, era a África!” E Jaime Prades, nos “pacificadores” acentua não apenas esta “África imaginária” que, aliás, percorre seus grafismos com a mesma clareza de opção pela matriz direta e sua simbologia e não algo que continuasse o cientificismo cubista. Outra pergunta interessante de sua obra é no limiar entre a pintura e o graffiti. Sua obra é pintura de rua e não graffiti. Não há também diferença entre sua escultura com mais significado plástico e as apropriações de volumes, fragmentos de concreto que ele faz nas demolições para sobrepor seus grafismos. Outra pergunta sobre sua obra e não proposta por sua obra é: “por que Jaime Prades não optou por uma resolução plástica de sua obra que o levasse para o universo convencional de amadurecimento histórico e mercadológico da arte”? Particularmente não me arrisco em nenhuma resposta. Mas vamos imaginar que suas obras “Torre Branca”, “Paisagem Branca” (ambas de 1997) e as esculturas em bronze “Torre” e “Orgânica”, de 1996, fossem colocadas ao lado das “Metamorfoses” de Maria Martins. Nada perderiam de valor ao dialogarem com os valores da escultura abstrata que rompe a tradição moderna sem ainda romper com o uso dos materiais convencionais como o bronze. Agora, vamos voltar à condição do homem do mundo urbano e a extrema condição de violência que estamos vivendo nas cidades brasileiras. É uma violência que vem desde o respirar, o alimentar-se até o ato criminoso literal do extermínio. Não é só um extermínio corporal o que estamos vivendo, é também um extermínio de sentidos. E não é a cidade que faz isso, mas a falta de provimento de humanização a quem vive nas cidades. Neste sentido os “peacemakers” são uma pergunta meditativa, plana, de potencial força simbólica e rápida compreensão pela parte de quem se depara com eles. Paz para Tolstói está na densidade de “Paz e Guerra” enquanto para Jaime está num fato cognitivo, escultórico, plano e direto. Portanto não há nada que guardar, colecionar ou preservar a não ser no sentido de uma consciência que seja resultado da ação simbólica que o pacificador produz na percepção imediata do sujeito. Em “Brutos” percebemos bem a residual negação da matéria e a carícia pelo fragmento de uma história subjetiva que foi demolida com a destruição de uma morada. Jaime Prades é primitivo. É popular sem ser popular. Sua obra reflete arcaísmos ainda mais simbólicos de uma era em que a cidade já aconteceu e não é mais o acontecimento em si como era para os modernos. Seguimos observando o micro mundo da textura das suas máquinas para compreender a microestrutura subliminar dos pacificadores. Os pacificadores chegam a um nível de não importância formal, ao mesmo tempo em que sua simbologia ganha importância. São volumes planos. São esculturas planas, desenhos que potencializaram sua tridimensão expandindo o traço e adensando a cultura do símbolo. Não ruído como nas máquinas e sim o silêncio do metal planificado e da pintura eletrostática. Mas vejamos o que é o conjunto criador da obra de Jaime no que diz respeito ao corpo da cidade e que significam esses planos que existem também na sua obra “Planeta no túnel”. Vamos desmontar os pacificadores dizendo que eles, peça por peça, são formas planas que são quase a anulação do corpo escultórico do ponto de vista da linguagem da escultura. E vamos também delirar esquivando-se da razão, da crítica, da filosofia, das faculdades que compõe um texto crítico sobre a obra de um artista, convencionalmente. Esse esmaecimento do corpo da escultura é quase tão significativo quanto o esmaecimento da linha que Leonilson impingiu na sua obra. E basta refletir livremente para ver que a obra de Prades não fala da cidade como o Graffiti fala. São origens muito diferentes a questão do protesto e da expansão da forma para fora do universo das instituições da arte. Aliás o protesto está mais ligado à discussão do limite suporte nesse caso do que à necessidade de ocupação social como é o caso da maior parte dosartistas da grande onda do graffiti que vimos recentemente. E foi um movimento consciente, neste sentido, que levou Jaime à expressão de libertação da arte que compõe hoje a história primordial da street art no Brasil. Sua obra é na verdade parte de um conjunto de obras de artistas plásticos que abriram as ruas para a arte pública, gerando o espaço que não estava sob o controle do sistema de arte e provocando a existência de uma cena acontecendo fora do controle do establishment. Uma das marcas mais fortes desta ação é o fato de que esses artistas vinham efetivamente da gravura e da gráfica e foram para os muros a exemplo de Alex Vallauri que, em 1978 em São Paulo, dá o passo decisivo tatuando a pele dos muros e que segundo a leitura de Prades, seu contemporâneo, pega um elemento do impressionismo e transforma em estêncil, uma espécie de “primo pobre da serigrafia”, que se multiplica através do spray produzindo uma verdadeira explosão de carimbos na parede que é também ampliada por Carlos Matuck e Waldemar Zaidler. Ou seja, num olhar atento, notamos essa transmutação da gravura também na obra de novíssimos desta tradição, como o paulista Daniel Melim (estêncil), a xilogravura, no caso do também paulista Speto e principalmente do pernambucano Derlon, e xilogravura e o buril no caso de Francisco Rodrigues, o Nunca, mais um paulista que, exemplarmente, é o artista que mais transcreve a gravura para o universo do spray. Ou seja, são quase 40 anos na arte brasileira de aparecimento de uma linguagem plena de multitemporalidade técnica e simbólica que decreta o fim do distanciamento entre arte inside e outside. E Jaime Prades também é parte atuante deste conjunto de artistas. As obras de Jaime, ainda, no contexto de sua geração, são obras que falam da pós-cidade moderna e não de uma cidade pós-moderna. Assim como Keith Haring e Basquiat. Mas no caso de Prades e sua produção reflete um dado a mais do que a libertação estética que esses artistas produziram que é das percepções ancestrais, da pré-cidade, como as cidades da Índia que erigem templos pacificadores, que impigem a vida para a milenaridade da cultura pré-urbana porém citadina, escapando, apenas, desse dado de gráfica e africanização do traço da maior parte da produção vista na arte de rua. As junções de seus pacificadores, na sua progressão amorfa, quando observamos os espaços entre uma figura e outra, são verdadeiros cobogós de coexistência formal e subjetiva. Pode-se dizer que realmente a forma para Jaime Prades é secundária à questão dos movimentos internos e externos que a forma é capaz de ativar na consciência humana e registra-la não só em aspectos conceituais e formais como também e a expor em mensurações da crítica genética por esse dado das cidades ancestrais das cidades modernas tanto em estrutura como em modo de convivência. O real é irreal, a máquina é corpo. A paz é um organismo plano nesta profusão que apesar de tanta multidirecionalidade de intenções e ações de sujeitos distintos, procura deixar a respiração entre um sujeito e outro seja lá qual for o estado de seus monstros internos. Os mesmos que contornam os “pacificadores” dando a solução do humor para a dor. Essa dimensão para a respiração entre monstros da nossa própria criação é, aliás, o segredo de paz da série “Pacificadores”. Como os templos indianos legam a cultura da espiritualidade para o desejo. A cidade de Jaime Prades pode ser compreendida como forma profusa das pré-cidades que fundem a cultura do Oriente e do Ocidente. Lembra, conceitualmente, as protocidades. É dentro de vales simbólicos e entre limites da arte e da não-arte que Jaime Prades (ou el señor Pradesh) criou, que está um dos grandes valores da sua obra e talvez o mais importante sentido da série “Pacificadores”. A densidade dos vazios e do grande campo vazio-abstrato que é um só vetor de integração com a massa vazia do urbano, o espaço onde está o ar que possibilita a grande coexistência entre a multiplicidade dos sentidos de paz que cada indivíduo experimenta ao estar no mundo. Paz que se simboliza plenamente no cobogó de pacificadores que vemos nesta mostra. Os “Pacificadores” são mais um elemento da fórmula entre Velho Mundo, Novo Mundo e a África que gritou do inconsciente de Jaime Prades, surgindo, hoje, como a complexa narrativa gráfico-pictórico-escultórica, numa obra que dança diante dos nossos olhos, respondendo à origem de El Escorial com a mesma oposição de incolecionabilidade, surgida de um criador apátrida, que inventou essas formas e uniu estes fragmentos que, como a mágica profusão dos templos indianos, não é arte para ser vista de fora para dentro e sim de dentro para fora, guardando a meditação e o silêncio interno, voz mais qualificada e epicentral de toda a dança cósmica que implica na consciência de existir para encaixar o ser no equilíbrio existencial, motivando que, a sociedade atual, ao invés de guardar seus criadores em apenas museus saiba os colocar nas ruas para uma interação cíclica e imediata dentro da ordem e da desordem do mundo e do tipo de paz contraditória a que estamos submetidos. Saulo di Tarso Brasileiro *Elementos vazados semelhantes a tijolos normalmente feitos em cimento usados para construir muros e paredes possibilitando maior ventilação e luminosidade. |
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